sábado, 15 de dezembro de 2012

ABRIL


Habito o sol dentro de ti.
Descubro a terra, aprendo o mar.
Por tuas mãos, naus antigas, chego ao longe,
Que era sempre tão longe, aqui tão perto.
Tu és meu vinho, Tu és meu pão.
Guitarra e fruto, meu navio,
Este navio onde embarquei
Para encontrar, dentro de ti, o país de Abril.
E eu procurava-te nas pontes da tristeza,
Cantava. Adivinhando-te, cantava
Quando o país de Abril se vestia de ti,
E eu perguntava quem eras.
Meu amor, por ti cantei, e tu me deste
um chão tão puro, algarves de ternura.
Por ti cantei, à beira-povo, à beira-terra,
e achei, achando-te, o país de Abril,
e achei, achando-te, o país de Abril.
Manuel Alegre

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

CONFISSÃO


Eu tenho sido um imbecil. Na verdade, tenho tentado crescer, mas há algo que me impede de ir além, de construir a vida confortável que sempre sonhei, mas que nunca (ainda) pude ter. Tenho sido insensível, incoerente, sonhador demais. Tenho, ultimamente, pensado que sou mais do que eu sou, que eu tenho capacidades acima das que eu realmente tenho, mas nada disso tem me impedido de ainda sonhar com o sucesso.
Sucesso. Essa palavra tem me perseguido e me pressionado desde quando me dou por gente. A expectativa (infundada, creio eu) que a família deposita em mim não parece me motivar a buscá-lo. O sucesso, acreditei, viria naturalmente. Afinal, minhas conquistas até agora (é ridículo falar-se em conquistas, pois não tenho nenhuma) vieram exatamente desta forma: naturalmente. Todas as quedas também são naturais.
Tenho descansado em minha própria sabedoria, tenho achado que sei mais do que eu realmente sei. Sinceramente, não consigo viver sendo um burro. Talvez seja por isso que criei essa doce ilusão de que eu poderia ser inteligente ou sábio. As pessoas dizem que eu sou às vezes, mas eu não acredito. Não consigo alcançar a satisfação dos meus desejos mais superficiais, imaginem a dos meus desejos mais profundos. Tenho julgado os outros, mas feito um uso até produtivo da minha capacidade de raciocinar deixando as emoções em segundo plano (essa é uma das poucas qualidades que acredito ter). Infelizmente, não consigo fazer a leitura adequada das pessoas que me cercam como antes eu faria. Estou confuso.
Mas essa confusão tem origem indefinida. Falta de concentração, de capacidade de focar em algo a longo prazo, tem sido obstáculos ao meu desenvolvimento. Às vezes, sinto-me como um homem de meia-visão: sei o que deve ser feito, mas não sei como deve ser feito. É a mesma coisa de se ter um carro para ir ao lugar que se quer ir, e saber onde este lugar fica, mas não o caminho para chegar até lá. É algo lastimável.
Apesar da pressão das pessoas, assim como a necessidade de melhorar de vida ou na vida, não consigo achar a motivação para lutar da forma certa. Não sei de onde vem a minha incapacidade de me concentrar em objetivos, nem de onde vem a minha mania de procrastinar frequentemente, mas sei que isso precisa acabar. Como, porém, conforme previ, não sei. Só sei que preciso achar a motivação, mas nada me motiva. Às vezes, associo o meu dom (ou maldição) de uso do cérebro para pensar em vez do coração para sentir a isso. Motivação, coisas “que mexem” conosco, afetam tudo que vem das emoções, e eu não sou uma pessoa de emoções fortes, nem de me modificar porque algo aconteceu na minha vida.
Não sei mais o que fazer. Talvez a pressa em alcançar o sucesso, em contribuir de alguma forma com a sociedade e meu crescimento pessoal esteja a me afligir, a me sufocar. Quero que tudo aconteça agora, e não daqui a dez ou vinte anos. Eu costumo ser paciente, mas gosto de resolver tudo na minha vida da forma mais rápida e fácil possível, e essa minha capacidade de ver oportunidades, mas de não saber como tirar proveito delas, se não causa danos emergentes, causa sérios lucros cessantes.
Desculpem-me. A falta do que fazer junto com a insônia das 3h20 da manhã me fizeram escrever esse monte de besteira. Estou confuso e angustiado. Só isso.

Natal, Rio Grande do Norte, terça-feira, dia 11 de dezembro de 2012.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

EXPLICAÇÃO DO PAÍS DE ABRIL


Aí vai um poema de um grande poeta português chamado Manuel Alegre. Nele, ele explica uma das suas criações: o País de Abril, que se acha mencionado numa das minhas músicas favoritas: Abril, na voz inconfundível de Amália Rodrigues. Espero que gostem.
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País de Abril é o sítio do poema.
Não fica nos terraços da saudade
não fica nas longas terras. Fica exactamente aqui
tão perto que parece longe.

Tem pinheiros e mar tem rios
tem muita gente e muita solidão
dias de festa que são dias tristes às avessas
é rua e sonho é dolorosa intimidade.

Não procurem nos livros que não vem nos livros
País de Abril fica no ventre das manhãs
fica na mágoa de o sabermos tão presente
que nos torna doentes sua ausência.

País de Abril é muito mais que pura geografia
é muito mais que estradas pontes monumentos
viaja-se por dentro e tem caminhos veias
- os carris infinitos dos comboios da vida.

País de Abril é uma saudade de vindima
é terra e sonho e melodia de ser terra e sonho
território de fruta no pomar das veias
onde operários erguem as cidades do poema.

Não procurem na História que não ven na História.
País de Abril fica no sol interior das uvas
fica à distância de um só gesto os ventos dizem
que basta apenas estender a mão.

País de Abril tem gente que não sabe ler
os avisos secretos do poema.
Por isso é que o poema aprende a voz dos ventos
para falar aos homens do País de Abril.

Mais aprende que o mundo é do tamanho
que os homens queiram que o mundo tenha:
o tamanho que os ventos dão aos homens
quando sopram à noite no País de Abril.
Manuel Alegre

domingo, 4 de novembro de 2012

É AMAR



É um desejo que late,
É um encantamento que bate.
É um sentir-se bem em ouvir a voz do outro,
É a cada dia padecer pouco a pouco.

É sentir, só com a sua presença, todo contentamento,
É fazer-se muda a mente, falante o sentimento.
É pôr-se em estado de graça,
É andar sorrindo sem motivo pela praça.

É ferir-se, curar-se, e ferir-se novamente,
É criar quimeras, criar castelos num instante.
É erguer torres baseadas em sonhos,
É sofrer e, ainda assim, mostrar-se risonho.

É traduzir a existência em fazer-se em dois,
É pensar com candura no depois.
É conhecer a desconhecida arte de se dar,
É, em todos os sentidos, o maior sentimento,
É, então, mais e mais do que isso a definição de (te) amar.

Daniel Augusto de Alcaniz Santos

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O PASSAR DO TEMPO E AS FERIDAS



Este texto foi escrito hoje enquanto eu estava sob forte emoção. kkkkk Foi uma breve constatação que fiz de alguns fatos recentes.
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O tempo passa e as coisas mudam. Muitas, porém, mantêm-se intactas, imóveis, incólumes. Algumas delas são modificadas pelas circunstâncias de fato configuradas ao longo dos dias, dos meses e dos anos. Com o coração, não é diferente. Algumas pessoas fincam uma estaca nele como se tivessem antes marcado território com uma bandeira baseada num buraco tão fundo que, por mais que se tape após retirada a bandeira, ainda assim qualquer um que olhar para o local saberá que ali houve uma demarcação antes como se fosse uma cicatriz grossa no miocárdio.
Se o tempo tem o condão de ser o melhor dos remédios, necessito de uma dose maior desse santo emplasto. Chronos tem sido um amigo e tanto para a cura dessas cicatrizes. Alguns fatos que tomam lugar no presente têm me mostrado que, tal como a demarcação do território que ela fez, tornando esse coração meu um território seu, há tanto tempo atrás, a bandeira foi fincada de forma tal que, para retirá-la já foi difícil; tapar o buraco deixado pelo estandarte tem sido tarefa árdua.
Mais difícil é resistir quando ela tem querido fincar novamente aquela estaca com sua flâmula ao topo mais uma vez nesse território que hoje é livre. Quando o buraco lá está, fincar a bandeira torna-se mais fácil, ainda mais quando o buraco é profundo e, portanto, necessita de mais areia para ser completamente preenchido, e isso leva tempo. Quando o buraco está tapado de forma cediça, tudo fica mais fácil; quando a areia ainda não foi suficiente, nada está terminado.
É desta forma que me sinto: o tempo ainda não foi o suficiente para curar-me dos traumas e problemas do passado em relação a ela. Alguns deles continuam (muito) mal resolvidos. Essa condição de vida não é nada agradável. Na medida em que o tempo passa e as feridas são fechadas, as tentações e vicissitudes da vida têm a tendência de manter-me ferido, para que uma nova mágoa (no sentido de ferimento) se forme ainda mais facilmente ao passo da insistência em que essas duas coisas mantêm-se insistentes em me abalar. A força para vencê-las, porém, vem de dentro. A cura é formada em endogênese (um neologismo chulo que aqui coloco) e será forte na forma em que o território do coração é fértil. Tudo dará certo, e a vitória virá.

Daniel Augusto de Alcaniz Santos

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

DARA, DOCE DARA

E agora, saindo quentinho do forno, um poema que acabei de fazer esta manhã. Espero que gostem. Só lembrando que os comentários podem ser feitos sem necessidade de logar na sua conta do Google (nem é uma indireta... kkkkkkkkkkkkk). :D
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Quero a doçura de Dara.
Quero ouvir a sua voz e sentir seu cheiro.
Dara, menina doce, dona de tez suave,
Tem a tremenda ternura nos seus olhos pueris
E inspira trovadores a trovar poeticamente
Tal qual este que aqui a escreve, que sempre a quis.

Dara, criatura carinhosa, do sorriso franco e doce,
Anda pelo mundo a iluminá-lo, roubando o brilho solar,
Movendo olhares a segui-la pelo caminho de rosas aos seus pés,
Encanta os marinheiros, nos navios, em seus conveses,
Ao a verem passar linda e praieira na orla, mais linda que as sereias do mar.

Sonho com os carinhos de Dara.
Sonho que ela me dê, dando-me alegria, em noites de aninho.
Ai, Dara, cheia de amor, afaga-me a minha cabeça,
Beija-me a minha boca suavemente, ainda que eu não mereça,
Dá-me o mel dos teus lábios, Dara, deixa-me provar deste favo,
O favo de Jati que há na tua boca, para que de ti eu nunca me esqueça.

MONÓLOGO DE ORFEU



Um dos meus poemas favoritos do Mestre Vinícius.
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Mulher mais adorada!
Agora que não estás, deixa que rompa
O meu peito em soluços! Te enrustiste
Em minha vida; e cada hora que passa
É mais por que te amar, a hora derrama
O seu óleo de amor, em mim, amada...
E sabes de uma coisa? Cada vez
Que o sofrimento vem, essa saudade
De estar perto, se longe, ou estar mais perto
Se perto, – que é que eu sei! Essa agonia
De viver fraco, o peito extravasado
O mel correndo; essa incapacidade
De me sentir mais eu, Orfeu; tudo isso
Que é bem capaz de confundir o espírito
De um homem – nada disso tem importância
Quando tu chegas com essa charla antiga
Esse contentamento, essa harmonia
Esse corpo! E me dizes essas coisas
Que me dão essa força, essa coragem
Esse orgulho de rei. Ah, minha Eurídice
Meu verso, meu silêncio, minha música!
Nunca fujas de mim! Sem ti, sou nada
Sou coisa sem razão, jogada, sou
Pedra rolada. Orfeu menos Eurídice...
Coisa incompreensível! A existência
Sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos. Tu
És a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo, minha amiga
Mais querida! Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada! Ah, Criatura! Quem
Poderia pensar que Orfeu, Orfeu
Cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor
Despetala as mulheres - que ele, Orfeu
Ficasse assim rendido aos teus encantos!
Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho que eu vou te seguindo
No pensamento e aqui me deixo rente
Quando voltares pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo!
Vai tua vida, pássaro contente.
Vai tua vida, que estarei contigo! 
Vinícius de Moraes

sábado, 20 de outubro de 2012

DISCURSO DE CHARLIE CHAPLIN EM "THE GREAT DICTATOR"


Esse discurso foi proferido pelo Mestre Charlie Chaplin num filme de 1940 chamado "The Great Dictator". Resolvi colocá-lo aqui porque acho o texto ainda hoje atual, guardadas as devidas adaptações, é claro. Em breve, postarei a tradução.
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I’m sorry, but I don’t want to be an emperor. That’s not my business. I don’t want to rule or conquer anyone. I should like to help everyone, if possible: Jew, Gentile, Black men, White. We all want to help one another. Human beings are like that. We want to live by each other’s happiness, not by each other’s misery. We don’t want to hate or despise one another. In this world, there is room for everyone and the good earth is rich and can provide for everyone. The way of life can be free and beautiful.
But we have lost the way. Greed has poisoned men’s souls. Has barricaded the world with hate, has goose-stepped us into misery and bloodshed. We have developed speed, but have shut ourselves in. Machinery that gives abundance has left us in want. Our knowledge has made us cynical; our cleverness, hard and unkind. We think too much and feel too little.
More than machinery, we need humanity; more than cleverness, we need kindness and gentleness. Without these qualities, life will be violent and all will be lost. The aeroplane and the radio have brought us close together. The very nature in these inventions cries out for the goodness in man, cries out for the universal brotherhood, for the unity of us all. Even now, my voice is reaching millions throughout the world. Millions of despairing men, women and children, victims of a system that makes men torture and imprison innocent people. To those who can hear me, I say: do not despair. The misery that is now upon us is but the passing of greed. The bitterness of men who fear the way of human progress. The hate of men will pass, and dictators die, and the power to the people will return to the people, and so long as men die, liberty will never perish.
Soldiers, don’t give yourselves to brutes! Men who despise you, enslave you, who regiment your lives, tell you what to do, what to think, or what to feel, who drill you, diet you, treat you like cattle, use you as cannon fodder. Don’t give yourselves to these unnatural men, machine men, with machine minds and machine hearts. You are not machines, you are not cattle, you are men! You have the love of humanity in your hearts. You don’t hate, only the unloved hate. Only the unloved and the unnatural. Soldiers, don’t fight for slavery, fight for liberty!
In the seventeenth chapter of St. Luke it is written: “The kingdom of God is within man”. Not one man, not a group of men, but in all men, in you! You, the people, have the power, the power to create machines, the power to create happiness. You, the people, have the power to make this life free and beautiful, to make this life a wonderful adventure.
Then, in the name of democracy, let us use that power, let us all unite! Let us fight for a new world, a decent world, that will give men a chance to work, that will give you the future and old age and security. By the promise of these things, brutes have risen to power, but they lie. They do not fulfill that promise. They never will! Dictators free themselves, but they enslave the people. Now, let us fight to fulfill that promise! Let us fight to free the world, to do away with national barriers, to do away with greed, with hate and intolerance. Let us fight for a world of reason, a world where science and progress will lead to all men’s happiness. Soldiers, in the name of democracy, let us all unite!