segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A Flauta-Vértebra

Este poema não é meu, mas eu acho bem interessante:

[Prólogo]
A todas vós
que já fostes ou que sois amadas
como um ícone guardado
na gruta da alma
qual uma copa de vinho
à mesa de um banquete
ergo meu crânio repleto de versos.

Freqüentemente me indago:
talvez fosse melhor
dar à minha vida
o ponto final de um balaço.
Todavia
hoje
dou meu concerto de despedida.

Memória!
Junta na sala do cérebro as fileiras
das inumeráveis bem-amadas.
Derrama o riso em todos os olhos!
Que de passadas núpcias
a noite se paramente!
Derrama alegria em todos os corpos!
Que ninguém possa esquecer esta noite.
Hoje tocarei a flauta
de minha própria coluna vertebral.

1.
Meu passo esmaga ruas e verstas.
Que fazer, com o inferno no peito?
Que Hoffmann celestial
te pôde inventar, maldita?
Alegria tempestuosa invade as ruas.
A festa transborda de gente feliz.

Eu medito.
Os pensamentos, coágulos de sangue,
enfermos, ardendo,
porejam de meu crânio.
Eu,
criador de tudo que é festa,
não tenho com quem ir à festa.
Agora mesmo irei atirar-me
de cabeça
no empedrado da avenida Nevski.
Eis aí. Acabo de blasfemar.
Por toda a parte
andei dizendo que Deus não existe
e Deus, de tórridas profundezas,
fê-la sair,
aquela diante de quem
a montanha se perturba e treme,
e me ordenou: Ama-a!

Deus ficou contente.
No fundo do abismo
que há sob o céu
um homem atormentado
como um selvagem definha.
Deus esfrega as mãos.
A si mesmo diz:
Hás de ver, Vladímir!
E ainda, ainda lhe ocorre,
para que ninguém possa adivinhar quem és,
a invenção de te dar um verdadeiro marido
e de pôr sobre o piano música humana.
Se, de repente,
assomasse à porta de teu quarto,
faria o sinal-da-cruz sobre as cobertas –
eu sei
sentir-se-ia um cheiro de lã chamuscada,
fumaça sulfurosa da carne do diabo.

Em vez disso me vou
horrorizado
de que te tenham levado para te amar.
Entro pela madrugada
talhando gritos em versos
ourives já quase louco.
Ou então: a jogar cartas!
De vinho
encher a goela do coração resseco
de gemer.
Não me fazes falta!
Não quero!
Dá tudo no mesmo.
Sei
que me despedaço.

Se é verdade que tu existes,
Senhor,
Senhor Deus,
se és tu que teces o manto das estrelas,
se este sofrimento
cada dia maior,
se este martírio
por ti me foi enviado,
Senhor,
põe-me então as cadeias de condenado.
Aguarda minha visita.
Serei pontual.
Não me atrasarei nem um só dia.
Escuta,
Supremo Inquisidor.

Lábios cerrados,
nem um grito soltará minha boca
mordida até sangrar.
Amarra-me a um cometa,
como à cauda de um cavalo
e chicoteia!
Que meu corpo se estraçalhe
nos dentes das estrelas.
Ou então: quando minh’alma migratória
franzindo o cenho carrancudo
estiver diante de teu tribunal,
atira a Via-Láctea,
faz dela uma forca
e dependura-me se quiseres,
qual um criminoso.
Faze o que quiseres.
Preferes me esquartejar?
Eu mesmo te lavarei as mãos,
a ti que és justo.
Mas – ouves? –
afasta de mim aquela maldita,
aquela que tu fizeste minha amada!

Meu passo esmaga ruas e verstas.
Que fazer, com o inferno no peito?
Que Hoffmann celestial
te pôde inventar, maldita!
Wladmir Wladmirovitch Mayakovsky

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Justiça

É um tema difícil, mas vou tentar falar dele. É imprescindível para um aluno de Direito pensar nesse assunto, então, vou tentar falar um pouco disto: a Justiça. Este texto é dedicado aos meus colegas de curso e a Deus, que, como diz meu nome, é meu Juiz. Quero dizer de antemão que eu não vou tentar conceituar justiça, nem o que deve ser uma pessoa justa.

Justiça é um conceito difícil. Os romanos diziam que é dar ou deixar a cada o que é seu por direito. Eu, embora não tenha vocação para filósofo, costumo concordar com isso e ainda dizer que ser justo é tratar os iguais de forma igual e os desiguais de acordo com as suas desigualdades (não sei por que eu acho que copiei isso de algum lugar). A justiça tem alguns requisitos essenciais: ética, racionalidade – não significa ser frio, mas sim ter parcimônia nos sentimentos –, saber ouvir, ponderação, enfim... Não é qualquer pessoa que é ou pode ser justa. Infelizmente, é para poucos ser justo sempre. Afinal, basta estar um desses requisitos em falta, ainda que só momentaneamente, para que sejamos injustos.

O que é uma pessoa ética? Costumo dizer que é ética a pessoa que se mantém reta durante a sua vida, sempre com honestidade e bom caráter, tranqüilidade e tratando as pessoas da forma tal qual elas merecem. Reta e honesta porque a honestidade é uma característica de uma pessoa que costuma dar o que é de cada um sem procurar o interesse próprio, inclusive, às vezes, prejudicando-se a si mesmo para que tudo aconteça de forma que todos recebam ou deixem de receber o que é devido a cada. A honestidade deve estar presente todos os dias de nossas vidas. Desde quando achamos aquela "nota" de dois reais no chão até mesmo quando ocupamos altos cargos da administração pública ou privada, cargos políticos e, principalmente, cargos do judiciário – é claro. Se queremos justiça, ela deve começar por quem tem o dever de fazê-la. Tranqüila porque a tranqüilidade nos permite enxergar a melhor opção a seguir sem que nos deixemos cegar pelos sentimentos exacerbados. Às vezes, em um momento de raiva ou de tristeza, podemos fazer coisas desonestas ou antiéticas contra aqueles que nos fizeram mal. A alegria também pode nos cegar, já que a euforia, assim como a tristeza e a raiva, tem a capacidade de nos fazer tomar ações precipitadas, e a justiça não pode ser feita com atitudes precipitadas ou impulsivas. A pessoa ética trata os seus semelhantes da forma que cada um merece porque a honestidade e a idéia de equidade que o ético tem o fazem agir de forma justa com todos: desde o melhor amigo até o pior inimigo. Isso não quer dizer que será sempre benevolente com o amigo e mau para com o inimigo. Somente que, nos momentos certos, cada um receberá do ético, que é justo, o tratamento recebido.

Por que motivo o justo precisa ser racional? Simples: emoções demasiadamente fortes nos cegam a visão e o pensamento. Racionalidade não significa a frieza de uma montanha do Himalaia, mas sim o equilíbrio entre os sentimentos e o uso da mente. Uma pessoa racional não costuma colocar os sentimentos à frente dos seus olhos. Se assim o fizesse, seria quase sempre injusto, já que, conforme disse antes, os sentimentos veriam o mundo em vez dos seus olhos. Apenas os ouviria falar, mas não veria nada à sua frente, pois os sentimentos exacerbados o cegaram. A partir do momento em que é colocada a razão à frente dos sentimentos, o justo pode usar do que seus olhos podem ver para fazer seu julgamento acerca das situações da vida, até mesmo de situações em que será necessário o uso da ética já citada acima. Racionalidade significa, portanto, o uso do raciocínio da cabeça no lugar do raciocínio dos sentimentos, tanto os bons quanto os ruins, mas não a ausência destes. Há certos casos em que o coração deve falar mais alto, mas não é sempre, nem a regra geral.

Para que a justiça seja feita, temos que saber ouvir. Ouvir é importante. Muitas vezes, quando estamos tristes demais ou muito raivosos, ou autoconfiantes demais, ou até mesmo em estado de euforia, deixamos de dar ouvidos aos outros, deixamos de ouvir o que está à nossa volta. Saber ouvir, no entanto, não significa somente captar o que vem dos ouvidos, mas também o que os olhos vêem e o que o coração sente. Estes dois últimos, entretanto, nem sempre concordam. Quando estamos no meio de um conflito, precisamos ouvir bem as partes para resolver o problema da forma mais correta; quando alguém nos magoa ou nos faz mal, precisamos ouvir o que as levou a fazer o que fizeram; quando algo nos deixa perplexos, precisamos ouvir e ver o que foi que aconteceu para que a situação que vivemos chegasse a esse ponto. Saber ouvir, então, seria perceber bem o que acontece à nossa volta para podermos ser justos.

O que dizer de uma pessoa ponderada? Primeiro, precisamos ver o que significa isso: s.f. Ato de ponderar; reflexão; caráter de uma pessoa bem equilibrada, calma.
Placidez, serenidade, tranqüilidade.
Tendo essa definição, podemos dizer que uma pessoa ponderada é uma pessoa que reflete seus atos, é serena e equilibrada. Uma coisa bem parecida com uma pessoa racional. Ser ponderado tem a ver com ouvir, ser racional e ético; ou seja, é o mais difícil de ser sempre. É, de todos os requisitos, o mais frágil. Deixamos de ser ponderados quando estamos sob forte carga emocional, seja ela boa ou ruim. O que tem a ver a ponderação com os outros três conceitos anteriores? Costumo dizer que a relação da ponderação com a ética diz respeito ao bom caráter do ponderado; no que concerne a racionalidade, costumo dizer que tem a ver com a não precipitação dos atos de uma pessoa ponderada; e, por fim, a relação com saber ouvir diz respeito a ver o que as partes de um conflito dizem para garantir aquilo que se acham no direito de ter – se boa a ponderação, o juiz ou qualquer outra pessoa que esteja no meio de um conflito, seja entre outros ou consigo mesma, tomará uma boa decisão sobre o que está em xeque.

Por fim, analisando tudo o que eu escrevi acima, posso dizer que uma pessoa justa é realmente ética, racional e ponderada, mas também sabe quando usar suas emoções para julgar algo ou alguém. Apesar de a idéia de julgar pessoas não me agradar muito, todos nós fazemos isso sempre, embora muitas vezes inconscientemente. Quero terminar dizendo que o justo é um abençoado por Deus. Nesse mundo cheio de individualismo, é difícil colocar interesses próprios atrás do sentimento de justiça. Bem-aventurados sejam os que são assim. Que Deus os abençoe.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Ana Luíza

Hoje, coloco a letra da minha canção favorita de um dos mestres da Bossa-Nova. Não sei o que ele tinha com o nome Luíza, mas as músicas dele que continham esse nome são as mais bonitas que ele fez.

Suponho
Ana Luiza
Se a guarda cochila
Eu posso penetrar no castelo
E galgar a muralha de onde se divisa
O vale, os prados, os matos, os montes,
as flores, as fontes, Luiza

Ana Luiza
Eu fiz esta canção pra você
Que pergunta precisa saber
Onde anda Luiza
Luiza
Luiza
Luiza
Por quê me negas tanto assim a primavera?
Se sabes que a última quimera
Existe no mundo de Ana Luiza

Primavera, Ana Luiza
Teus olhos
Em que lago, em que serra, em que mar se oculta?
Escuta, Luiza
Na brisa uma canção fala em você
E pergunta insiste em saber, onde anda Luiza
Luiza
Luiza
Luiza
Luiza

Eu te amo tanto
Quem há de resistir a todo encanto
Que existe, assiste, em Ana Luiza

Antônio Carlos Jobim

domingo, 14 de novembro de 2010

Me deixas louca

Como ando sem escrever muito, vou colocando algumas músicas que gosto bastante. Agora coloco a que eu mais gosto da Elis Regina:

Quando caminho pela rua lado a lado com você
Me deixas louca
E quando escuto o som alegre do teu riso
Que me dá tanta alegria
Me deixas louca

Me deixas louca quando vejo mais um dia
Pouco a pouco entardecer
E chega a hora de ir pro quarto escutar
As coisas lindas que começas a dizer
Me deixas louca

Quando me pedes por favor que nossa lâmpada se apague
Me deixas louca
Quando transmites o calor de tuas mãos
Pro meu corpo que te espera
Me deixas louca

E quando sinto que teus braços se cruzaram em minhas costas
Desaparecem as palavras
Outros sons enchem o espaço
Você me abraça, a noite passa
E me deixas louca

Armando Mazanero

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Falando de amor

Essa é a letra de uma das minhas músicas favoritas da Bossa Nova. É uma obra-prima de um mestre da música brasileira

Se eu pudesse por um dia
Esse amor, essa alegria
Eu te juro, te daria
Se pudesse esse amor todo dia
Chega perto, vem sem medo
Chega mais meu coração
Vem ouvir esse segredo
Escondido num choro canção
Se soubesses como eu gosto
Do teu cheiro, teu jeito de flor
Não negavas um beijinho
A quem anda perdido de amor
Chora flauta, chora pinho
Choro eu o teu cantor
Chora manso, bem baixinho
Nesse choro falando de amor

Quando passas, tão bonita
Nessa rua banhada de sol
Minha alma segue aflita
E eu me esqueço até do futebol
Vem depressa, vem sem medo
Foi pra ti meu coração
Que eu guardei esse segredo
Escondido num choro canção
Lá no fundo do meu coração

Antônio Carlos Jobim

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A Lua No Céu

Bom... aqui vai meu mais recente poema. Comentem, por favor. Não importa se é pra criticar ou pra elogiar.


 

A lua está no céu.

Alvinitente, bailando no ar,

Reflete a sua imagem no mar,

Fico sem saber para onde olhar

Se tanto o céu como o firmamento me encantam

E as estrelas se tornam coadjuvantes na pintura.


 

Queria eu poder fazer uma escada.

Uma escada para poder alcançá-la,

Estar no céu e tocá-la,

Sentir tua boca e beijá-la.


 

Falarei à passarada que me carregue

Para o céu e me leve até a lua.

As estrelas serão testemunhas

Do amor que cantarei na rua.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Neologismo

Eu não gosto muito de poesia moderna, mas gosto muito desse poema. É simples e tem muito conteúdo nele:


Beijo pouco, falo menos ainda.
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo:
Teadoro, Teodora.

Manuel Bandeira

domingo, 7 de novembro de 2010

O Amor

Estou dando início hoje a uma série de textos que vou escrever. Cada um em homenagem a uma pessoa diferente da minha vida. Esse primeiro é dedicado a Pequena. Inicio com esse sobre aquilo que mais gosto de escrever: O amor.


Ah, o amor... Aquele sentimento que nos faz suspirar, nos faz querer ser melhores, nos faz sonhar, que faz nossos corações baterem mais intensamente, que nos faz doar a nós mesmos... Enfim. O sentimento que nos faz ter reações inúmeras em nossos corpos. O amor é igual à Hidra de Lerna: tem várias faces, várias cabeças. Aqui nesse texto, porém, irei tratar apenas da cabeça central, a maior e mais conhecida de todas: o amor entre o homem e a mulher.

O amor, acredito eu, é o sentimento mais forte que alguém pode ter dentro de si. Ele envolve todos os outros sentimentos da nossa mente: tristeza, angústia, raiva, alegria, prazer, entre outros. Afinal, quem nunca se entristeceu por causa daquela pessoa por quem nos apaixonamos? Por aquela pessoa que não te correspondeu? Há ainda alguns que amam, mas não podem estar juntos da pessoa amada – é o caso das pessoas que se gostam e que não podem estar juntas –, assim como há aqueles que ficam felizes ao ver um sorriso no rosto de quem gostamos, e outros que fazem de tudo pela felicidade da sua amada (ou do seu amado) e que se alegram no simples fato de estarem fazendo bem àquela pessoa. Há aqueles que se doam por inteiro à pessoa amada sem nem pensar nas conseqüências, não se importando se são correspondidos ou não – sem medo de se machucarem (esses são os mais raros).

E que tipos de amantes existem? Eu costumo dividir em dois tipos: os amantes fugazes, que sentem algo intenso, mas geralmente não sólido, e os amantes moderados, que se apaixonam geralmente com a convivência, que sentem algo ora intenso, ora não intenso, mas que é muito sólido e que não surgiu do nada, tendo sido esse sentimento construído dia após dia. O primeiro acontece mais nos filmes, nas peças de teatro e na literatura romântica. Embora aconteça também com freqüência na vida real, ao contrário dos filmes e livros, o amor fugaz na vida real não é tão intenso ou tão profundo quanto aquele que acontece na ficção. O caso mais célebre na literatura de amor fugaz é o de Romeu e Julieta. O simples fato de o amor ter surgido do nada faz o amante se decepcionar com maior facilidade. Entretanto, é o que tem mais chances de dar certo. Por ter sido fruto de uma atração pré-estabelecida, as intenções de ambos os amantes ficam claras antes de a relação iniciar-se. O segundo, no entanto, criado pela convivência entre duas pessoas, embora geralmente seja mais sólido e mais profundo (porém, às vezes, não tão intenso), é o que tem menos chances de dar certo.

Quem lê deve ter percebido que eu não coloquei intensidade, solidez e profundidade do amor no mesmo conceito. Me sinto, é claro, na obrigação de explicar o porquê. Não se deve confundir intensidade, solidez e profundidade do amor. O amor pode ser intenso, mas não sólido, nem profundo, e vice-versa. O primeiro caso acontece freqüentemente com pessoas que sentem o amor fugaz. Acham que encontraram, de repente, o amor da vida delas, e que nada vai acabar esse sentimento, ou que ele vai durar para todo o sempre (isso acontece muito na adolescência). Depois de algum tempo, porém, essas mesmas pessoas vêem que o sentimento não resistiu a algumas decepções, ou então às primeiras dificuldades de um relacionamento. Se dão por conta de que não amavam tanto quanto pensavam que amavam. A paixão fugaz tem o poder de nos iludir e fazer-nos pensar que o sentimento é maior do que o que ele realmente é, tal como numa ilusão de ótica. Não quero dizer com isso que a intensidade do sentimento não é importante. O que quero dizer é que não adianta o sentimento ser intenso e não ser sólido.

É possível também que o sentimento não seja tão intenso assim, mas seja muito sólido ou muito profundo. É o caso dos amantes de longa data, das pessoas que estão casadas há anos e ainda se amam, dos namorados que querem se casar, etc. Essas pessoas com certeza não suspiram de amores como um adolescente fugazmente apaixonado, mas sentem que a pessoa amada é aquela que ela quer para o resto de suas vidas. Esse tipo de amor é o que sobrevive a mais provas, mais dificuldades. Não quero dizer com isso que os amantes não sintam o coração bater mais forte ou aquela vontade de estar junto da pessoa amada, e sim que esse é o tipo de sentimento é mais duradouro, equilibrado, mais parecido até com o amor que a Bíblia descreve em I Coríntios, capítulo 13. Embora a definição Bíblica tenha mais a ver com o conceito lato sensu de amor, podemos sim fazer essa analogia: O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. É o que muita gente costuma chamar de "amor verdadeiro". Ou ao menos dá uma idéia do que ele seja.

Apesar de ser um sentimento que costuma dominar a pessoa que o traz consigo, o amor não pode se separar da inteligência de quem ama. Mesmo no afeto, é preciso ser inteligente. Tanto antes como durante e depois dele. Principalmente durante e depois dele. Embora o amor seja um sentimento que nos traga a vontade de melhorar como pessoas ou de se doar à pessoa amada, é bom que sempre seja mantida a temperança para que o que é mel não comece a lambuzar a pessoa amada. É o que chamamos de ser "meloso" (vide a saga Crepúsculo). Tudo em demasia faz mal e o amor não está excluso disso. Parcimônia deve ser a palavra de ordem para tudo que fazemos e sentimos na vida. Amar com inteligência é saber quando o amor deve nos guiar e até onde ele pode nos dominar. Quem consegue amar com inteligência, aliando um ao outro, acha a verdadeira essência de amar – e geralmente quem ama de forma fugaz não consegue ser inteligente enquanto ama. Às vezes, no entanto, é melhor que nos deixemos guiar por nossos corações, pois, nos dizeres de Antoine de Saint-Exupéry, só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.

Não vou entrar no mérito de tentar diferenciar amor, paixão e desejo porque acho que já existe muita gente boa por aí muito mais capaz do que eu de diferenciar os três. Como disse em um texto anterior, não tenho vocação para filósofo.

Por fim, quero dizer que, não importa o tipo de amante que sejamos, nós sempre pensamos que lidamos com um ser perfeito, livre de defeitos. Alguns, porém, conseguem enxergar defeitos nos seus amados. Mesmo assim, ainda amam, porque, ainda que não lidem mais com seres perfeitos, esses amantes amam os defeitos dos amados – isso é raro, mas acontece. Entre os tipos de amor que existem, eu preferi descrever os tipos de amantes. Em outra oportunidade, eu tentarei diferenciar os tipos de amor, sem falar dos tipos de amantes. Quero terminar citando o maior dos escritores ingleses, William Shakespeare: "O louco, o enamorado e o poeta são filhos da imaginação. Um vê mais demônios do que aqueles que o inferno pode conter: é louco. O apaixonado, igualmente frenético, vê a beleza de Helena num frontispício egípcio; o olhar do poeta, esse, animado por um belo delírio, transporta o céu para a Terra e a Terra para o céu". (Sonhos de uma noite de verão)

Versos Íntimos

Hoje, vou colocar mais um poema. Desta vez, não é meu. É um poema que meu avô gosta muito e que eu gosto também. É de um dos maiores poetas que o Brasil já teve. Espero que gostem.


Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Augusto dos Anjos

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Constelação

Antes de mais nada, quero dizer que esse é meu poema mais recente. Comentem. Não importa se é para elogiar ou criticar. Só preciso da opinião de vocês.


Vi, no céu, à noite, uma constelação.

Nessa constelação, constavam estrelas.

O brilho delas, alvo, intenso, constante,

Iluminou-me o olhar no sereno,

Fez lembrar-me de ti num instante.


Estava eu à sombra da escuridão do firmamento.

Ao lembrar-me de ti, vi as estrelas formarem um desenho.

Que desenho é esse? – Perguntei a mim mesmo.

Não consegui identificar, mas senti, do coração, os batimentos

E um bom pressentimento.


A lua observava de sua morada a dança suave das estrelas.

A tramontana, minha guia, perdeu-se no baile celestial;

A lembrança de ti guiou-me o entendimento,

O desenho ficou claro no firmamento,

Quando a dança finalmente terminou, eu vi:

Foi teu nome que vi naquele momento.

Durante um temporal

Hoje, não vou colocar nada meu. Me lembrei do meu poema favorito, que tem quase 200 anos que foi escrito.


VAI FUNDA a tempestade no infinito,
Ruge o ciclone túmido e feroz...
Uiva a jaula dos tigres da procela
— Eu sonho tua voz —


Cruzam as nuvens refulgentes, negras,
Na mão do vento em desgrenhados elos...
Eu vejo sobre a seda do corpete
Teus lúbricos cabelos ...


Do relâmpago a luz rasga até o fundo
Os abismos intérminos do ar...
Eu sondo o firmamento de tua alma,
À luz de teu olhar ...


Sobre o peito das vagas arquejantes
Borrifa a espuma em ósculos o espaço...
Eu — penso ver arfando, alvinitentes,
As rendas no regaço.


A terra treme... As folhas descaídas
Rangem ao choque rijo do granizo
Como acalenta um coração aflito,
Como é bom teu sorriso,....


Que importa o vendaval, a noite, os euros,
Os trovões predizendo o cataclismo...
Se em ti pensando some-se o universo
E em ti somente eu cismo...


Tu és a minha vida ... o ar que aspiro ...
Não há tormentas quando estás em calma.
Para mim só há raios em teus olhos,
Procelas em tua alma!

Antônio Frederico de Castro Alves